O diretor-presidente do Banco Fraternidade Global S/A, subsidiária brasileira de instituição financeira multinacional, tomava seu café de fim de expediente, às 9 da noite, enquanto lia o relatório de um gerente a respeito das novas contas de grandes empresas abertas naquele mês.
Toca o telefone. A secretária que filtrava as ligações saíra às 7. Ele atende. Antes de se identificar, a voz grave se insinua:
- Sei que está aí, Bóris. Ouça com atenção! Tenho em meu poder cópias de relatórios confidenciais assinados por gerentes do banco solicitando autorizações da diretoria para a realização de operações fiscais com clientes muito importantes e cópia das autorizações dadas. (risos maléficos abafados). Amanhã cedo estará recebendo por correio alguns desses documentos, provas do que estou falando e com as instruções para pagamento do resgate da documentação toda, são mais de 20. Se me der calote, a Receita Federal vai fazer a festa em cima do banco e dos clientes. E os jornais vão receber cópias também, para evitar suborno e varrer a sujeira para baixo do tapete. Os 20 milhões de dólares que você gastou este ano com publicidade da imagem do Banco vão para o lixo. Mantenha o assunto em absoluto sigilo. Isto é entre eu e você. Se alguém mais souber do caso, vou divulgar tudo!
- Espere! Você pensa que... – Não terminou a frase. A ligação foi cortada. A palidez gelatinosa do banqueiro tempo integral, homem preocupado com solidez da instituição que dirigia e com os lucros crescentes exigidos pelo voraz acionista estrangeiro, foi tisnada por manchas mais brancas, flocos de neve em seu rosto. O coração batia acelerado. Abriu a gaveta onde guardava as pílulas anti-infarto, levantou-se, foi até o console onde ficava a garrafa com chá de camomila, e deglutiu duas. Cabeça baixa, redemoinho de pensamentos negativos e dúvidas, mãos nos bolsos da calça, andou de um lado para outro na ampla sala, deixando um rastro sobre o tapete felpudo que o banco recebera em pagamento de dívida de uma casa importadora à beira da insolvência. Tomou duas pílulas de calmante. Dormiu ali mesmo no sofá.
Dia seguinte. A secretária o acorda às sete, discreta como sempre. Não era a primeira vez que o chefe dormia por ali. O gabinete de crise tinha um banheiro completo. Duchas folheadas a ouro. Às 10 horas, trouxe-lhe a papelada do correio matinal.Desta vez ele dispensou-a da ajuda na separação do urgentíssimo, urgente, e lixo para onde iam os papéis não classificados nessas duas categorias. Solitário, abriu o envelope pardo sobrescrito em máquina de escrever e sob título CONFIDENCIAL. Dentro, três exemplares da documentação comprometedora que envolvia duas multinacionais e uma grande empresa brasileira. Os relatórios descreviam “operações fiscais” facilitadas pelo banco, autorizadas pela Diretoria de Riscos. Numa folha anexa, em letras recortadas de jornais e revistas e coladas com cuidado, o pedido de um milhão de reais em notas não seriadas a serem guardadas num malote do banco que, às 5 da tarde daquele dia, deveria ser levado por ele, pessoalmente e sem vigilância, até um posto de gasolina nas proximidades da agência na Rua Augusta e ali jogado num latão de lixo. Os documentos em poder do chantagista seriam enviados por correio no dia seguinte, se tudo corresse de acordo com as instruções.
O que fazer? Boris convocou os diretores de riscos e do jurídico, bem como, o gerente de auditoria para uma reunião imediata. Análises de documentos,confabulações, hipóteses, tempestade de idéias, e uma primeira conclusão: as “operações fiscais” não passavam de planejamentos tributários perfeitamente legais de acordo com as normas vigentes, conhecidos e praticados pelo mercado e que o Fisco tolerava enquanto não fossem editadas novas leis que os impedissem. Um certo alivio devolveu o rosado aos rostos vincados de preocupação. Havia ainda o problema de imagem do banco se a documentação fosse enviada à imprensa. A má fama dos banqueiros decerto sofreria um novo golpe, até que se provasse a legalidade das operações. De qualquer forma, a confiança indispensável na ética da instituição ficaria abalada. Era preciso identificar o chantagista sem demora e agir para obstar sua ação deletéria. Pagá-lo, jamais! Conselho do diretor jurídico. Chantagista não tem palavra. Se a extorsão funcionar, outras virão em seqüência. Ninguém poderia garantir que ele não conservaria cópias dos documentos em seu poder.
Às 4 da tarde, o lanche dos diretores foi interrompido pela chegada do chefe da auditoria, o único que saíra da sala para tomar suas providências.
- Temos um suspeito. Os relatórios estavam guardados em pastas suspensas num arquivo do Departamento de Riscos, com acesso livre de analistas e até de office boys. Mas só alguém com bons conhecimentos dos trâmites das “operações fiscais” saberia dar algum valor a esses documentos. Desconsideramos os simples auxiliares. Os analistas de riscos, profissionais com curso superior, mas sem conhecimentos jurídicos especializados, passaram ao foco das investigações. Alguém com problemas financeiros, alguém ressentido com os superiores, alguém com tempo de casa suficiente para conhecer os hábitos de trabalho do diretor presidente, e especialmente, alguém com essas características que tenha sido dispensado recentemente. O gerente de pessoal foi de grande auxílio: foi eliminando suspeitos e logo chegou ao Osmar, 5 anos de casa, ultimamente dado a jogar em bingos, separado da esposa que trabalha como secretária da Agencia da Rua Augusta por causa de uma amante, dispensado por tentativa de agressão ao chefe que o advertira por andar chegando atrasado. Não recebeu indenização e portanto, as suas dificuldades financeiras aumentaram. A ex-mulher o estava ameaçando de cadeia se continuasse a não pagar a pensão dos filhos. E ninguém revistou sua pasta quando veio se despedir dos colegas no fim do expediente de uma sexta-feira. Foi visto remexendo no arquivo para “apanhar coisas suas”.
Às 5 em ponto, Bóris deixa um malote no latão de lixo do posto de gasolina na Rua Augusta e se afasta sem olhar para os lados. Três minutos depois, dois seguranças do banco, que estavam de campana, pegam Osmar com a boca na botija. Levam-no até o departamento de auditoria, onde assina uma confissão perante duas testemunhas, enquanto um outro segurança vai até o apartamento da amante do chantagista com um bilhete seu autorizando a entrega ao portador da pasta de documentos confidenciais.
Nem polícia, nem jornais: desta vez o banco Fraternidade fora salvo.
Contudo, o trauma levou o presidente Bóris a reformular o orçamento de investimentos e a contratar a "Gigacatshunter" renomada empresa especializada em segurança de riscos operacionais para evitar vazamentos de informações e cuidar da proteção dos sistemas de informática e de arquivos. Os funcionários foram submetidos a treinamento intensivo para entender a necessidade e a aplicação rigorosa das regras e procedimentos de segurança implantados.
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