O GOLPE DO FALSO FISCAL
Pancrácio é esperto,No curso primário foi um dos primeiros alunos da classe a apreender a ler e a escrever, Não gostava de História e Geografia, datas e nomes a decorar, “pra que saber o nome real de Tiradentes? “ Era um sujeito parecido com Jesus Cristo que foi enforcado por que não aceitava pagar imposto cobrado pelos fiscais do rei de Portugal, organizava a turma que também não queria pagar imposto, foi dedado por um Judas e enforcado. Isso lhe bastava. Outros pormenores que a dona Zulmira perguntava nas provas, colava da Socorro, coleguinha estudiosa, enquanto a professora lia um livro de sacanagem escrito por um tal de Jorge Amado. Sacanagem da grossa! O Pedroca, filho do dentista, roubara do pai o Tieta do Agreste e cobrava cincão de quem queria ler no banheiro as passagens mais picantes. Pancrácio não tinha dinheiro, mas emprestava seu estilingue de matar rolinha em troca do precioso livro.Da época escolar Pancrácio guardou a repulsa a pagar imposto – “só otário é que paga” -, e o gosto pela leitura às escondidas durante o horário de trabalho no armazém do tio Valério, que não só o criara (o pai morrera cedo e a mãe casara com um cearense que a levara embora) mas também, lhe dera o emprego de balconista. Poucos clientes, e lá ia o jovem ao depósito de mercadorias ler o seu jornal. Impressionava-se com as notícias sobre corrupção dos políticos e dos fiscais, gente indecente que provocara a morte do Tiradentes.Morto o tio , comerciante honesto e pagador de tributos, num assalto trágico – ele escapara porque estava nos fundos do prédio lendo seu jornal – herdou o armazém e a clientela que gostava dele, um jovem simpático e inteligente, capaz de conversar sobre qualquer assunto. O sonho de Pancrácio era comprar um carro, mas o pequeno lucro da loja não lhe permitia esse luxo. O Mané da Quitanda, seu vizinho, vivia de um comércio menor e como não pagava imposto sobre seu negócio, já comprara uma Brasília 70, com a qual saia a passear com as garotas do bairro. O jovem herdeiro, 22 anos, não seria otário como o velho . Parou de ter o trabalho de preencher notas fiscais e de escriturar livros – um aborrecimento que o tio lhe cobrava todos os dias prolongando seu expediente até as 10 da noite. Calculara que dentro de uns três meses conseguiria amealhar o suficiente para dar entrada num carro novo. Iria desbancar o Mane e roubar-lhe a namorada, a Déia, mulata faceira de olhos verdes e corpo sensual. Um personagem do Jorge Amado, idealizava ele.Passados 2 meses, apareceu um sujeito de bigode farto, magro, cara enfezada,de terno gravata, e mostrou uma credencial de fiscal da Prefeitura. Disse que estava substituindo o Dr. Maurício, aposentado recentemente, o antigo fiscal que ele bem conhecia, Mandou vir os talões de notas fiscais e os registros contábeis. Depois de 1 hora no pequeno escritório da loja,verificando a documentação , o novo inspetor chamou o proprietário e disse-lhe que encontrara muitas irregularidades, o que acarretaria uma multa de 10 mil reais e um possível processo penal por sonegação, além da denúncia à fiscalização estadual do ICMS, que certamente lhe cobraria muito mais. Pancrácio não se intimidou. Tinha em mente a fácil generalização que fazem os espertos: são todos corruptos. Com o típico jeitinho brasileiro, acertou uma propina de 1.000 reais, bom negócio, para quem já economizara outros 1.500 de tributos. Pagou com o dinheiro que guardava no cofre, chorando miséria, porque o Pais estava em crise e os consumidores arredios. O fiscal garantiu que só voltaria 6 meses depois, tempo suficiente para que o contribuinte regularizasse a escrituração e pagasse os tributos de forma correta dali para a frente. Pagar coisíssima nenhuma! pensou o comerciante. Daqui 6 meses, pago mais 1.000 e continuo na informalidade como todo mundo.Uma semana depois apareceu o Dr. Maurício, que não tinha se aposentado. Desconhecia o tal de Quinzão que se apresentara como seu substituto. Acompanhou o aturdido Pancrácio à delegacia do bairro e ajudou-o a prestar mais uma queixa contra o vigarista que se fazia passar por autoridade fazendária. Dr. Maurício, por sua vez, penalizado com a situação do jovem contribuinte não lavrou a competente intimação por irregularidades fiscais, Aceitou uma módica mesada de 200 reais para ajudar o amigo nas suas dificuldades, desde que ele passasse a contribuir regularmente com uma parte dos impostos devidos. Pequena parte, por sinal, o que permitiu a Pancrácio adquirir o almejado carro zero. Conseguiu roubar a namorada do quitandeiro? Bem... Isso é uma outra história, que não cabe neste espaço.
COMENTÁRIO: Esperteza, busca de distinção social, tributação pesada e burocracia custosa, corrupção impune e práticas ilegais favorecem golpes dos estelionatários, como este, muito comum, do “falso fiscal”. Mas o Pancrácio não é um ávido leitor de jornais? Não notou reportagens sobre esse tipo de golpe? – indaga o atento. Respondo: a informação divulgada pela mídia é absorvida pelas pessoas de acordo com suas crenças. Nossa memória imediata grava apenas aquilo que parece reforçá-las. O resto só vem à tona quando sofremos uma experiência traumática. Crer que todo político é desonesto nos leva a votar naquele que aparenta nos ter trazido algum benefício pessoal. Acreditar que todo fiscal é corrupto e que para vencer na vida é preciso amoldar-se a essa ficção, estimula os Pancrácios a fazerem acertos com os Maurícios ( me perdoem os honestos do mesmo nome). Afinal, Quinzão (desculpem o apelido, conheço muitos Joaquins idôneos) não era um fiscal de verdade. Quantos sonegadores e seus parceiros a Policial Federal tem exibido às câmeras de televisão ultimamente? O hábeas corpus que logo os livra da cadeia enquanto não sejam condenados em definitivo é um recurso lícito. A lentidão do Judiciário e a falta de notícias em relevo sobre os que acabam indo para trás das grades por um bom tempo é que produz a sensação e crença de impunidade.
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