23 novembro 2006


GOLPE DO DINHEIRO PARA A NETA


A senhora idosa saiu da agência bancária ainda atrapalhada ao guardar na bolsa o dinheiro e o cartão de saques no caixa eletrônico. Foi abordada por uma jovem vestida em grife, simpática, que a cumprimentou:
- Boa tarde, Dona Maria... Como vai a senhora? – a mão estendida foi aceita prontamente, embora memória e imagem não concatenassem um signo de reconhecimento. No entanto, ela chamava-se Maria Rosa; e a garota?
Percebendo o lampejar da dúvida no olhar da velha dama, a jovem esclareceu:
- Sou a Marina, amiga da sua neta. Fomos apresentados na festa de aniversário dela. A senhora não se lembra? - E em seguida, num jorro de palavras em tom decidido e impositivo, prosseguiu:
- Ela me disse que iria encontrá-la aqui pois ligou para sua casa e informaram que tinha ido ao banco. – Toca um celular e a garota o atende:
- Oi... sim, encontrei sua avó. Já vou lhe transmitir seu pedido. Logo te ligo. Tá fazendo muito barulho de ônibus... – Desligou o aparelho e dirigiu-se a avó ansiosa para saber o que a neta queria:
- Ela pediu para a senhora me dar cem reais para ela pagar a cabeleireira. Saiu de casa e esqueceu de pegar a carteira. Está muito aflita por que a Zelina é meio grossa e pode criar caso na frente das outras clientes.
Dona Maria acabara de sacar cinqüenta reais de sua minguada conta de aposentada, onde ainda havia um saldo de 200. O palavreado rápido e incisivo da interlocutora não lhe dava muito tempo para refletir. A situação constrangedora da neta de 18 anos, sua afilhada querida a incomodava.
- Não tenho cem reais, mas vou até ali retirar.
- A senhora está com ar cansado, deixe que eu vou fazer o saque. É só me dar o cartão e a senha.
A aposentada recompensou a solicitude educada da moça com o que lhe fora pedido. Instantes depois, a simpática Marina exibe 2 notas de 50, guarda no bolso da calça jeans, devolve o cartão e se retira, não sem antes agradecer em nome da amiga. Nome que, aliás, em nenhum momento ela pronunciara.
Dois dias depois, retornando ao banco para um outro saque, um pouco aborrecida porque a neta não lhe telefonara agradecendo pessoalmente a gentileza da avó, “coisa de jovem distraída”, descobre que não só haviam lhe limpado a conta, mas também ,avançado nos 500 reais de cheque especial que ela nunca usara. Ao chegar em casa, telefona para a neta. Esta lhe informa que não tem nenhuma amiga chamada Marina e que não pedira dinheiro para pagar o corte de cabelo. Caíra no conto do vigário. Os filhos casados a acudiram até o fim do mês, quando a mãe recebia a aposentadoria. Embora lúcida aos 75 anos, filhos e noras passaram a considerá-la caduca. Uma injustiça, pois não tiveram oportunidade de ver a cena, nem de ouvir a voz mesmérica da garota treinada na arte de provocar e aproveitar a irreflexão de uma avó solidária e preocupada com a neta. Em vez de estar no cabeleireiro, poderia estar num pronto-socorro. A imaginação malandra é prodigiosa! A coincidência do nome Maria (fosse outro a golpista repetiria a abordagem até encontrar uma), o teatral reforço do pedido da neta ansiosa no celular, poderiam enganar até pessoas menos idosas. A sensação posterior é a de ter sido hipnotizada pelo olhar, verve e gestos da vigarista. A regra de nunca fornecer cartão e ou senha a desconhecidos nem sempre está automatizada na consciência das pessoas, servindo de muralha aos gestos impensados.

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